Os prenomes são traduzíveis.

Os prenomes, nos idiomas originários de quem os recebeu, chamam-se de endôminos. Assim, Charles, na Inglaterra. Traduzidos, chamam-se de exônimos e, especificamente, exantropônimos: Carlos, no Brasil.

Os prenomes são traduzíveis, admitem tradução. Você pode traduzir Charles por Carlos, Friedrich por Frederico, Elizabeth por Isabel, o que é corretíssimo. Anos atrás, no Brasil, traduziam-se os prenomes em romances, livros de História, Filosofia, manuais didáticos. Nunca se lia, por exemplo, Louis XIV.

Alega-se que se deve redigir o nome como a pessoa foi registrada. Concordo com que se deva redigir-lhe o nome consoante o registro da pessoa no seu país. Fora dele, pode-se traduzi-lo. Era a prática corrente, a tradição brasileira, portuguesa, espanhola, francesa, italiana e de outros países; estou em crer que ainda o é em vários.

Assim, na Inglaterra, Charles; porém, no Brasil, na Espanha, em Portugal, na Argentina e não só: Carlos, como Luís XV, Bento XVI, Jesus, Moisés, Carlos Magno.

A idéia de que se deve reproduzir a grafia original é puramente convencional, não é necessariamente melhor, não identifica melhor a pessoa. Ao invés: sujeita a ter-se de pronunciar em idioma estrangeiro: em alemão nomes alemães, em russo nomes russos, em polaco nomes polacos. Você sabe pronunciar em alemão, em russo, em polaco ? Não, não sabe, porém sabe dizer, em português, Frederico, Carlos, Augusto, Estevão, Olavo, Nicolau.

Augusto Comte.

Carlos Marx.

Frederico Nietzsche.

Nicolau Copérnico.

João Sebastião Bach.

Príncipe William: Guilherme.

Rainha Elizabeth: Isabel.

Diana (“dáiâna”): Diana (“diâna”).

Michel: Miguel.

John: João.

Denis: Dionísio (Dionísio Diderot).

Pato Donaldo.

Donaldo Trump.

Sejam também exemplos os títulos de dois livros publicados na culta e européia Curitiba, em 1976 e 1977: Genealogia de Frederico Guilherme Virmond (de Nicanor Porto Virmond) e Biografia de Frederico Guilherme Virmond (de David Carneiro), em que não se disse Friedrich Wilhelm Virmond, mas Frederico Guilherme Virmond e em cujos textos não se disse Jean François Supplicy, mas João Francisco Supplicy.

Nas famílias Supplicy e Virmond, bem assim fora delas, todos usam tais exônimos.

Na igualmente européia e culta diz-se e somente diz-se Alfredo Andersen; jamais se diz Alfred Andersen.

Outro título: Cabana do pai Tomás e não: Cabana do pai Thomas.

Exemplário (obtido com pesquisa sumaríissima) de exantropônimos em livros traduzidos e publicados no Brasil:

1) Em títulos: Eugênia Grandet (editoras Abril e Ediouro), A cabana do pai Tomás (editoras Saraiva, Madras, Geral), Miguel Strogoff (editora Saraiva); Miguel Ângelo (editoras Nova Fronteira e edições de Ouro); Joana d´Arc (inúmeras editoras); Teresa Raquin (editora Arcádia; editoras Unibolso e Guimarães, de Portugal).

2) Nomes de autor: Nicolau Maquiavel (editoras Vozes, Peixoto Neto, Nova Fronteira, Abril, Martins Fontes); Júlio Verne (Saraiva, Martin Claret, Ediouro, Melhoramentos); Carlos Frederico Filipe von Martius (prefácio de Ervino [Erwin] Theodor[1] a Frey Apollonio, editora Brasiliense); Leão Tolstói (Três novelas de Leão Tolstói, edições de ouro; Três novelas, editora Círculo do Livro); Gustavo le Bon (Psychologia dos novos tempos, editora Garnier). Também Leão Tolstói (editora Unibolso, de Portugal).

3) Nomes de personagens: Gregório, Manuel, Urbano, Luís, Balduíno, Frederico, Irene (O Príncipe da Índia, de Lewis Wallace, editora Saraiva); Júlio, Henrique, Luís, Luísa, Marcos (Coração, de Edmundo de Amicis, editora Livraria Francisco Alves); Luísa, Henrique, Helena (O coração da matéria, de Graham Greene, editora Record); Amélia, Antonina, Alexandre, Marina, Anfímio, Helena, Serafina, Olga, Panfílio, Cristina, Agripina, Eudóxia (O Doutor Jivago, de Bóris Pasternak, Editora Itatiaia[2]); Teresa, Luísa, Ana Maria (O mistério do castelo de Morande, de Valmor, editora José Olympio); Bruno, Rodolfo, Tebaldo, Jorge, Otávia (Lírio do vale, de de la Grange, editora Brasileira); Armando, Cristina (Um amor como o nosso, de Luciana Peverelli, editora Vecchi); Estevão, Guilherme Bárbara (A imagem da mulher nua, de Maurício [Maurice] Leblanc, editora Vecchi).

4) Nomes de vultos históricos: Vítor Manuel (Coração, de Edmundo de Amicis, editora Livraria Francisco Alves); José Joaquim Rético, Pedro Ramus, Nicolau Copérnico, Leão Batista Alberti, Nicolau de Oresme, Fabiano von Lossainen (Copérnico, de Afonso Henriques de Guimarães Neto, editora Três[3]); João Locke, João Rousseau, Frederico Froebel,  Augusto Francke, Emílio Boutroux, Gregório Girard, Helena Key, Luís Gurliit, Leão Tolstói (Noções de história da educação, Teobaldo de Miranda Santos, Companhia Editora Nacional); Isidoro Augusto Maria Xavier Comte, Rosália Boyer, Clotilde de Vaux (José [Joseph] Lonchampt, Igreja Positivista do Brasil); Tomás Morus, Erasmo de Roterdam, Tomás Aubert, Carlos V, Henrique II, Américo Vespúcio, Lourenço de Médici, João de Léry, André Thevet, Rogério Bacon, Pedro d´Ailly, Miguel de Montaigne (O índio brasileiro e a revolução francesa, de Afonso Arinos de Melo Franco, editora José Olympio); Alfredo Andersen (em toda a bibliografia paranaense); Frederico Guilherme Virmond, João Francisco Supplicy (Genealogia de Frederico Guilherme Virmond, de Nicanor Porto Virmond, edição do autor; Biografia de Frederico Guilherme Virmond, de David Carneiro, edição do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. São exônimos consensuais entre seus descendentes); Carlos Dickens (Os construtores do mundo, Estefano [Stefan] Sweig, editora Delta); Joana d´Arc (na bibliografia em geral); Honorato de Balzac, Miguel Ângelo, Martim Brucer, Quintino Mastys, Augusto Comte, João Paulo Richter, Carolina Brand, Henrique Heine, João Lutero, Martim Lutero, Nicolau Bacon, Carlota Corday, Catarina Gordon de Gight, Carlos James Fox, Cristovão Wren, Luís Pasteur, Roberto Hook, Henrique Sidney, Carlos Darwin (Vida e trabalho, de Samuel Smiles, editora Garnier).

[1] Mas, no título: Karl Friedrich Phillipe von Martius.

[2] Contudo, no mesmo livro: Nikolai, Piotr.

[3] Mas, no mesmo livro: Giordano Bruno, Giovanni Pico, Matteo Palmieri, Thomas Gresham, Albert Einstein.

O meu “Arthur” é porque sou homônimo de meu avô; chamo-me Arthur Virmond de Lacerda NETO, pelo que era forçoso que meu nome repetisse a grafia do dele; ele, por sua vez, nasceu em 1916, quando se grafava Arthur, grafia oficial e brasileira de então (assim como pharmácia, panteon, heroe, egreja). O Arthur de Arthur Virmond de Lacerda e o de Arthur Virmond de Lacerda Neto não é inglês; é o da língua portuguesa de então. Fora hoje, ele chamar-se-ia Artur.

Repare, nas gravuras, como se traduziu Fred Flintstone por Pedro Picapiedra = Pedro Quebra-pedras, e Barney Rubble por Paulo Mármol = Paulo Mármore. Está de parabéns o hispano-falante que teve imaginação e fantasia, bom gosto e senso de vernáculo.

Fred Flintstone.Barney Rubble.

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