Anglicismos, estrangeirismos, idioma brasileiro, mesóclise.

ANGLICISMOS & TOLICES DE QUEM SABE MAL O VERNÁCULO.

Chama-se anglicismo a palavra ou locução originária do inglês, mal traduzida ou traduzida literalmente para o português, ou a sintaxe do inglês em português, em que representam elementos exóticos e censuráveis.

Por exemplos:

1) a construção “procurar por” em lugar do correto “procurar”. Procuro o livro e não: procuro pelo livro.

2) a construção “portão para o terreno” em lugar do correto “portão do”. Portão do terreno e não: portão para o terreno.

3) a construção “motivo para” em lugar do correto “motivo por”. Tive motivo por que fiz e não: tive motivo para fazer.

4) Disruptivo: procure em dicionário inglês-português.

Pior é observar a tradução LITERAL de expressão do inglês, que não comporta tradução literal, como em:

1) “To admit” que NÃO é “admitir” e sim: confessar, reconhecer, assumir que, concordar com, aceitar que.

2) “In the process” que NÃO é o estapafúrdio  “no processo”; é: em simultâneo !

3) “As a whole”, que originou a redundante macaquice “como um todo”: “Na sociedade como um todo”, “Vamos resolver o problema, como um todo.” (é cacoete de brasileiros mal formados em idioma). Diga: na sociedade em geral, na sociedade toda, resolver todo o problema, resolver o problema completamente.

4) “the fact of”, de que os miméticos maus tradutores e maus estetas pariram as tolas expressões “devido ao fato de”, “por causa do fato de”. Basta dizer: “devido a”, “por causa de”.

5) “I liked to think”, que se transmutou em “Gosto de pensar que”. Esta não é errada e é coerente; é plenamente possível construirmos assim, em português, contudo seu defeito está em ser imitação literal. Jamais se me deparou tal fórmula, exceto em inglês e em gente que lê mais em inglês do que em bom vernáculo.  “Apraz-me pensar que”, “Folgo em pensar que”, “Agrada-me pensar que” são castiças.

6) “It is something good”: “Isto é algo bom”, em que “algo” é excrescente. Basta dizer: “Isto é bom” (é outro cacoete em voga). É equivalente ao excrescente “alguém”, em frases como: “Mário é alguém amistoso”, por “Mário é amistoso”.

7) O mau uso de “auto”: autoevidente, autorepresentado (é correto o uso do afixo “auto”; é errado usá-lo, em português, como se usa em inglês).

8) “To realize” que não é “realizar”, mas: perceber.

9) “To access”: que não é o lixo “acessar” e sim “ter acesso a” ou “aceder a”. Esta do “acessar” é altamente dispensável: por séculos, disse-se “ter acesso a”, em legítimo português, pelo que podemos e devemos evitar o decalque do inglês. Vale nada argumentar que esse verbo, em inglês, origina-se do latim: “acessar” não nos proveio do latim e sim do inglês; é anglicismo e não latinismo.

Se o livro é traduzido do inglês para o português, desconfie das preposições PARA e SOBRE: quase sempre estão erradas. Se, de súbito, aparecer-lhe “no processo”, saiba que o tradutor é assim assim, ainda que a editora seja prestigiada.

Se sabe inglês, sua segunda língua, saiba, antes, o português, sua primeira língua, e JAMAIS transporte para esta a sintaxe e as palavras daquela.

Traduções brasileiras, do inglês, de cerca de 1985 a esta parte, mormente são ruins ou  muito ruins, com (raras) exceções. Eram bons tradutores brasileiros: Octávio Mendes Cajado, Amílcar Cabral, Álvaro Moreyra, Breno Silveira, Marcos Santarrita, Nair Lacerda, Sérgio Milliet. São recomendáveis as traduções das editoras Itatiaia, Civilização Brasileira, José Olympio. Aqueles e estas datam de até meados dos anos 1980. Desconfie de todas as traduções dos anos 1990 ao presente. Coteje as atuais com anteriores de algumas décadas e depressa notará o rigor, a propriedade, a meticulosidade, a graça com que nossos tradutores atuavam e a inferior qualidade com que se traduz hodiernamente.

Jamais introduza ou adote estrangeirismos, antes de certificar-se de que inexista equivalente em português. Geralmente há-o. Jamais introduza anglicismos semânticos nem de sintaxe.

Familiarize-se com bons autores vernaculares ou traduções brasileiras de truz, uns e outros anteriores a 1980, a começar por Machado, Aluísio de Azevedo, Saramago, maciçamente. Terá espontaneidade para redigir e falar consoante as formas melhores do idioma e de plano atinará com anglicismos ou galicismos nas traduções: sempre que estranhar a palavra ou a construção, que nelas notar algo estranho, de incômodo, é porque o tradutor terá falhado em seguir o português e desacertado em seguir o francês ou o inglês: ele terá traduzido para o primeiro como se permanecesse no segundo ou no terceiro. É descaminho e absurdidade ater-se à sintaxe do idioma original.

É mito pensar ser impossível traduzir ou aportuguesar: SEMPRE o é.

Nenhum estrangeirismo é indispensável. No caso de vocabulário adotado oficialmente por alguma entidade, podemos e devemos acompanhá-los das respectivas traduções ou equivalentes vernaculares.

Há termos que todos usam em inglês e ainda não foram aportuguesados; usam-no em inglês precisamente por não estarem aportuguesados. Exemplos de aportuguesamento: “skate” > esqueite. “Pizza” > pitsa. “Sfiha” > esfirra. Exemplos de equivalentes: “software” = programa; “hardware” = ferramenta. “Mouse” = rato (o Brasil é o único pais de idioma neo-latino que usa “mouse”, em inglês, em lugar de rato ou “ratón”, em vernáculo).

Não existe idioma brasileiro: existe estilo brasileiro, construções e usos correntes no Brasil e menos em Portugal e vice-versa, dentro do mesmíssimo idioma. Não se iluda ninguém com as discrepâncias léxicas entre esses dois países: são mínimas e até menos numerosas do que as verificáveis entre o Rio Grande do Sul e Bahia, apesar das quais ninguém ousaria reivindicar a existência de dialetos gaúcho e baiano. Mesóclise e  segunda pessoa do plural (“Digo-vos”, “É vosso”), contração pronominal (lhe + o = lho, me + a = ma, te + os = tos), ênclise, certas expressões (ao pé de, ir ter com fulano, já agora) são recursos do idioma de brasileiros e de portugueses, que estes conhecem e usam e que os brasileiros ignoram, estranham e tacham, erroneamente, de lusitanismos. Não é lusitanismo recurso ou forma vernacular que os brasileiros ignoram ou desprezam e que os portugueses conhecem e usam, mas é brasileiro o vezo anti-gramatical, a incúria no falar e o etos da incultura idiomática.

A diferença essencial entre o idioma tal como se usa no Brasil e em Portugal está no apreço que lhe votam os portugueses, no seu cultivo como fator de identidade nacional e herança cultural, na valorização de seu conhecimento, no seu ensino a sério e no uso que se faz do que aprende na escola, para mais do hábito da leitura, arraigado em parcela importante da população. Nada equivalente se verifica no Brasil, em que, para mais, a mentalidade de estudantes, professores, profissionais da escrita (jornalistas, tradutores, articulistas) é viciada pelas doutrinas da sociolingüística, cujo evangelho, o panfleto político “Preconceito lingüístico” é bastante confutável.

Vá de caminho lembrar que a mesóclise não é recurso exclusivo do uso formal do idioma, nem de sua forma escrita: é obrigatória nas situações gramaticalmente devidas, já na forma escrita, já na oral, nas comunicações formais quanto informais, em qualquer ambiente ou situação. Mal vai quem entende reservar-se ela para textos formais ou ser antiquada, pedantesca ou lusitana: pensar assim revela tacanhice, agravada se transmitida por professores, que por este perverso magistério não contribui para aprimorar o nível de seus instruendos. Professor que desestimula a mesóclise é pessoa errada no lugar errado e autor que se inibe de usá-la porque os outros raramente a usam, é autor que se submete à vulgaridade ambiente. Mesóclise, use-a orgulhosamente. Usá-la-ei, usá-la-ás, usá-la-emos.

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