MANIA CHATA DE “TUDO BEM ?”

Dada pessoa saúda-me invariavelmente assim:

MANIA CHATA DE “TUDO BEM ?”

Dada pessoa saúda-me invariavelmente assim:

— Como vai o senhor ?

Ou:

— Tudo bem, doutor ?

Outro, amiúde:

— Tudo bem, vizinho ?

— Como está o dia ?

— Como está seu dia até aqui ?

— Como está o sabadão ? (sabadão ?!).

Outro:

— Beleza ?

Prestai vós atenção: são perguntas; perguntas supõem respostas; entre pessoas civilizadas, supõe-se a verdade, não a mentira: supõem-se respostas verazes, não mentirosas. Mas mentimos amiudadamente nesses diálogos cacetes. Essas sete perguntas invadem a intimidade alheia.

Como vou é problema meu; não quero lhe falar de minha intimidade e meus problemas; como está meu dia é problema meu; não lhe quero falar de minha vida, nem eu nem certamente inúmeras pessoas a quem fazem esse tipo de pergunta. No espírito de alguns, elas são educadas; no espírito de quem as recebe, são invasoras e chatas.

Se respondermos “Não está tudo bem”, o diálogo cessa, pois o perguntador-chato não está interessado em nossa vida, perguntou por perguntar, ou fica curioso:

— Aconteceu alguma coisa ?

A segunda pergunta pode ser pior, porque invade mais. Talvez queiramos desabafar e trocar ideias, mas talvez não queiramos falar de nossos problemas. Não somos obrigados a nos expor; por isso, não devemos constranger o interlocutor com perguntas inconvenientes.

Imagine a resposta:

— Estou com problemas e não quero falar sobre eles.

O perguntador-chato pensará: “Que grosseiro !”. Mas o indagado tem de falar de sua intimidade ? Não, não tem.

Podemos tergiversar:

— Que frio hoje, não ?

Podemos contra-perguntar:

— Com você, tudo bem ? Sua família vai bem, seu emprego, sua vida sexual ?

Também podemos lançar mão da resposta convencional e cacete, já clássica e artificial:

— Tudo bem.

Podemos ser simpáticos sem sermos chatos. Cumprimentemos sem interrogações.

Cumprimentar com perguntas é chato, é invasor, é mais do mesmo, convencional e artificial.

Usemos oi, olá, bons-dias, boas-tardes, boas-noites.

Invasor, invasora, não “invasivo”, do inglês “invasive” (para o que me objetam que “invasivo” está nos dicionários X, Y, Z, que são “atualizados”, lembro-os de que eles são depósitos de palavras quaisquer, não acervos de apenas boas palavras).

Perguntar “Tudo bem ?” não equivale a desejar que esteja tudo bem com o interrogado. Votos, desejos, exprimem-se por afirmações, como “Bom trabalho”, “Bom final de semana”, “Boa prova”. Não desejamos interrogativamente, não dizemos “Bom trabalho ?”, “Bom final de semana ?”, “Boa prova ?” para desejar bom trabalho, bom final de semana, boa prova. Alguns espíritos confusos pensam que a pergunta “Tudo bem ?” exprime voto, desejo; tanto não o exprime que as pessoas respondem “Tudo bem”, em vez de “Obrigado” ou “Igualmente”, como fariam se exprimisse voto. Tal confusão é mais uma pista da desordem lingüística presente no Brasil.

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