O MANUAL “ORIENTATIVO” DA AUTORIDADE DE PROTEÇÃO DE DADOS.
Recentemente, missivei ao ouvidor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados: objetei-lhe a palavra “orientativo”, horrorosamente empregada em “guias orientativos” que a tal Autoridade emite. Observei que, em português, a desinência “dor” indica ação, agência, como em elevador, torcedor, procurador.
O ouvidor consultou os dicionários Priberam e Houaiss, digitais, em que se lhe deparou “orientativo”, do que conclui ser correta tal palavra.
A resposta foi de senso comum bem comum. O vulgo pensa que os dicionários autorizam o uso das palavras, porém não: os dicionários comuns, de consulta de massas, como especialmente os digitais e atualizados, são grandes depósitos de palavras, são arquivos de palavras e acepções, em que tudo cabe: o bom e o mau, o certo e o errado. Os dicionários de acesso vulgar não legitimam o uso das palavras, não as abonam. Constar dada palavra neste tipo de dicionário não significa que ela seja boa, correta, vernacular, recomendável; significa apenas que a usam, e amiúde os sub-instruídos, os maus tradutores, os imitadores do inglês, usam palavras que tais depósitos arquivam.
Constar, por exemplo, ateísta, pró-ativo, orientativo, massivo, impacto, neste ou naquele dicionário, não significa que tais palavras sejam boas, corretas, recomendáveis.
Dicionários atualizados e digitais não são fontes confiáveis quanto à qualidade das palavras.
Para averiguarmos se palavra nova, que nos estranha, é boa ou má, temos de pesquisar-lhe a origem, ver se consta em dicionários anteriores e com que acepção; se é anglicismo, que imita palavra do inglês (“massive” > massivo).
Orientativo não consta no dicionário Aurélio (não no de consulta fácil, eletrônica, senão no volumoso, impresso), o que nos deve tornar suspeita esta palavra. Sobre isso, a terminação “tivo” não expressa, em português, ação, mas qualidade: positivo é qualidade, não é ação; elevador exprime ação de elevar.
O que exprime a ação de orientar é orientador, não orientativo.
Reparai vós: o ouvidor da ANPD é funcionário oficial do governo federal, que consultou fonte popular, não soube consultar gramáticas e coonestou, erradamente, palavra errada.
Em minha réplica, sugeri-lhe que consultasse as gramática de Napoleão Mendes de Almeida e de Evanildo Bechara para entender a terminação “dor”.
Eis mais um sinal da deseducação lingüística no Brasil (outro: a redação horrível da lei geral de proteção de dados).