A homossexualidade em Montesquieu

 

A homossexualidade em “O espírito das leis”

                                                                    2011

                                                                       Arthur Virmond de Lacerda Neto

            O barão de Montesquieu, Carlos de Secondat de la Brède, nasceu na França em 1689, onde morreu em 1755. Celebrizou-se como autor de “O espírito das leis”, em que procura compreender as instituições políticas e a legislação dos diferentes países, fora de qualquer conotação teológica e metafísica, vale dizer, sem as explicar pela influência da divindade nem de entidades abstratas (a exemplo da Natureza) e dentro da análise dos fenômenos sociais, o que, posteriormente, Augusto Comte chamaria de método positivo, ou seja, a observação dos fatos para, deles, extraírem-se  as regularidades dos fenômenos, sob a forma de leis naturais, que permitem prever ou explicar uns com base em outros.

            O duodécimo capítulo de “O espírito das leis” intitula-se “Das leis que formam a liberdade política com a sua relação com o cidadão”. Contém ele o tópico  “Do crime contra a natureza” , que traduzo abaixo e em que se nota a atitude hostil de Montesquieu em relação à homossexualidade, que qualifica de crime, e para evitar a qual exorta à adoção de costumes que, julga ele, o evitassem, na convicção de que ela resulta das circunstâncias exclusivamente, e não de uma inclinação inata: nasce-se homossexual, embora algumas pessoas mantenham relações homossexuais circunstancialmente, como por curiosidade.

             Seria demais esperar que se achasse Montesquieu adiante do seu tempo, no conhecimento de que se dispõe, atualmente, da homossexualidade, como dado da natureza de cada um e, por isto, inevitável, ao invés de se considerá-la como meramente circunstancial, e por isto, evitável, como pensava ele. Ademais, criado em uma sociedade intensamente permeada pela teologia católica e pelo preconceito antihomossexual, partilhava ele da mentalidade vigente, ao tempo, quanto à homossexualidade,  que somente se tornou objeto de considerações favoráveis posteriormente, com Jeremias Bentham, na Inglaterra, sobre quem escrevi, precedentemente, nesta coluna.

            Eis o texto de “O espírito das leis”:

Não praza a Deus que eu queira diminuir o horror que se tem por um crime que a religião, a moral e a política condenam alternativamente. Seria preciso proscrevê-lo quando ele não fizesse  senão dar a um sexo as fraquezas de outro e preparar a uma velhice infame por uma juventude vergonhosa.  O que eu dele direi, deixar-lhe-á todas as máculas e não se referirá senão contra a tirania que pode abusar do próprio horror que dele deve-se ter.

            Como a natureza deste crime é a de ser escondido, freqüentemente acontece que os legisladores puniram-no com base na denúncia de uma criança: era abrir uma porta bem larga à calúnia. “Justiniano, diz Procópio, publicou uma lei contra este crime; ele fez procurar os que dele eram culpados, não somente depois da lei, como antes dela. O depoimento de uma testemunha, por vezes de uma criança, por vezes de um escravo, bastava, sobretudo contra os ricos e aqueles que pertenciam à facção dos verdes”.

            É singular que, entre nós [franceses] três crimes, a magia, a heresia e o crime contra a natureza, de que se poderia provar, do primeiro, que ele não existe; do segundo, que ele é suscetível de uma infinidade de distinções, interpretações, limitações; do terceiro, que ele é assaz freqüentemente obscuro, tenham sido, todos os três, punidos com a pena do fogo.

            Direi que o crime contra a natureza não fará, jamais, em uma sociedade grandes progressos se o povo não se encontrar inclinado a ele por algum costume, como entre os gregos, em que  as pessoas exercitavam-se nuas; como entre nós, em que a educação doméstica é fora de uso; como entre os asiáticos, entre quem os particulares têm um grande número de mulheres, que desprezam, enquanto os outros não as podem ter. Que não se prepare tal crime; que se o proscreva por uma educação exata, como todas as violações dos costumes, e ver-se-á, subitamente, a natureza ou defender os seus diretos ou retomá-los (1). Doce, amável, encantadora, ela espalhou os seus prazeres com mão liberal; enchendo-nos de delícias, ela prepara-nos, por crianças que, por assim dizer, fazem-nos renascer, a satisfações maiores do que estas próprias delícias.

 

(1). Ou seja, a heterossexualidade prevaleceria sobre a homossexualidade, impedindo o surgimento desta ou levando a praticarem-na os que praticavam a homossexualidade.

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Uma resposta para A homossexualidade em Montesquieu

  1. Gustavo disse:

    Olá. Achei bem interessante seus comentários sobre a questão homossexual em Bentham. Vc saberia me dizer se J. S. Mill também fala sobre esse assunto? Estou no último ano de Filosofia e minha monografia é sobre Mill. Ficaria então muito feliz se soubesse me indicar alguma coisa. Na verdade, escolhi Mill justamente para poder abordar esta questão.
    Não sei com que frequência vc acessa seu blog, mas poderia me mandar sua resposta por email? Poderíamos assim conversar um pouco mais.
    Abraço, Gustavo.

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