A CHATICE DE PERGUNTAR “TUDO BEM ?”.

A CHATICE DE PERGUNTAR “TUDO BEM ?”.

As pessoas habituaram-se a saudar com “Tudo bem ?”, o que parece simpático, em tese exprime interesse com o que se passa com o interlocutor, porém tornou-se chavão mecânico e vazio. Embora muitas vezes de fato se queira saber se está “tudo bem” com o outro, em muitas mais não se quer saber; indaga-se por perguntar; não se espera resposta sincera.

Perguntas supõem respostas; no caso, como geralmente a pergunta é apenas retórica, a resposta também o é:

Tudo bem ?

Tudo bem.

Isto é chato, é falso. Alguns julgam que sem o “tudo bem ?” a saudação “fica fria”, mas com ela soa a falso. Podemos ser simpáticos sem sermos fingidos, com afirmações simpáticas:

Bons-dias !

— Folgo em vê-lo.

— Prazer em vê-lo.

— Satisfação.

A pergunta “Tudo bem ?” pode ser constrangedora, pois o interlocutor:

a) quiçá não deseja responder e responde falsamente com o batido “Tudo”.

b) talvez queira responder e falar de seus problemas, mas o autor da pergunta talvez não esteja disposto a ouvi-lo; daí dizer-se que “é chato quando você pergunta “Tudo bem ?” e a pessoa fala de seus problemas”. A resposta é chata porque a pergunta é hipócrita.

Conhecido meu, simpático ou “simpático”, saúda:

Oi, vizinho, tudo bem ? Tudo beleza ? Como está seu dia ?

É na fila de pagamento, em que ele não dispõe de tempo de ouvir respostas nem as quer: são três perguntas calorosas, simpáticas, porém falsas e até constrangedoras.

Caixeira de restaurante pergunta centenas de vezes por dia, para cada freguês:

— Oi, tudo bem ?

Em outros dois restaurantes, a pergunta é tão mecânica, que os donos não prestam atenção em quem já saudaram e cumprimentam a mesma pessoa duas ou três vezes, sempre com:

— Oi, tudo bem ?

Conhecido meu cumprimenta assim: “Boas-tardes, é Fuão; tudo, tudo, tudo. Meu telefonema é para [etc.]” — ele antecipa-se à pergunta e já lhe responde, e bem que faz.

Se estiver “tudo mal”, que devemos responder ?

Não, não me está tudo bem e não quero falar disto.

Ou devemos ser hipócritas e responder em tom deprimido:

“Tudo… ” ?

Ou devemos abrir nossa intimidade ?

Atente em que tal pergunta é problemática e somente deixa de sê-lo à custa de ser hipócrita e ter resposta meramente protocolar.

Se a resposta for: “Estou com problemas…”, “Estou mais ou  menos…”, quando a pergunta é de mera formalidade, o perguntador faz cara-de-bunda, pois não esperava tal resposta e a conversa encerra-se ou tergiversa-se; talvez prossiga com intimidades, se a pergunta for sincera, se o local, o momento, o ambiente permiti-las, se o perguntado quiser abrir-se.

Em reunião de trabalho, entre estranhos, o chefe indagou ao convidado: “Tudo bem ?”; a resposta só poderia ser “Tudo”. Cabia outra ? Não; logo, a indagação foi retórica, pretendidamente cordial porém fingida. Temos de ser fingidos ?

É melhor parar de perguntar mecânica e falsamente “Tudo bem ?” e reservá-lo apenas para uso sincero e à espera de respostas sinceras. Tal como é empregada, conquanto “simpática”, é indagação retórica e amiúde falsa.  Sejamos cordiais sem sermos fingidos.

Pior é ouvir esta pergunta na televisão, da boca de apresentadores de programas ou telejornais, que querem ser “simpáticos”: na televisão não há interação entre o locutor e o espectador, sua relação não é presencial, um não responde para o outro, pelo que a saudação é ainda mais retórica:

Oi, pessoal ! Bom-dia ! Tudo bem com você aí que nos vê ?

Há o blá-blá-blá de que em linguagem as expressões devem ser situadas em seu contexto, que nem sempre valem por seu conteúdo intrínseco, que se diz isto para exprimir aquilo: são averiguações, não são justificações. Há o descritivo e há o prescritivo; descrever não é prescrever.

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